Carreira e Mulheres Negras: Como cuidar da fadiga de batalha racial potencializa o bem-estar e realização na vida e no trabalho
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Carreira e Mulheres Negras: Como cuidar da fadiga de batalha racial potencializa o bem-estar e realização na vida e no trabalho

Foto de Natalia Ferreira dos SantosNatalia Ferreira dos Santos
20 April 2025
6 min de leitura

No meu trabalho, busco ir além das abordagens tradicionais, especialmente quando se trata de apoiar mulheres negras em suas trajetórias profissionais. Hoje, quero conversar sobre um tema crucial, mas muitas vezes negligenciado ou simplificado: os desafios únicos que mulheres negras enfrentam no mundo do trabalho e como uma orientação profissional consciente e crítica pode fazer a diferença, com um foco especial na fadiga de batalha racial.

A Falácia da Meritocracia e a Realidade da Interseccionalidade

Vivemos em uma sociedade que ama a narrativa do mérito individual. "Basta se esforçar que você chega lá", ouvimos constantemente. No entanto, para mulheres negras, essa narrativa ignora uma realidade complexa e estrutural. Como aponta a literatura especializada (e como vejo na minha prática), não podemos falar sobre carreira sem falar sobre interseccionalidade.

O termo, cunhado por Kimberlé Crenshaw, explica como diferentes formas de opressão (como racismo e sexismo) não apenas se somam, mas se cruzam, criando experiências únicas de desvantagem. Mulheres negras não enfrentam apenas o machismo que afeta mulheres brancas, nem apenas o racismo que afeta homens negros. Elas vivenciam o racismo de gênero: uma dinâmica específica onde estereótipos raciais e de gênero se combinam, resultando em barreiras particulares.

Os dados são claros e dolorosos (IPEA, DIEESE, Kairós): mulheres negras são a base da pirâmide social, com maior taxa de desemprego, informalidade, menores salários e baixíssima representação em cargos de liderança (apenas 2,6% das mulheres líderes no Brasil são negras!). Isso não é falta de esforço ou competência. É o resultado de um sistema histórico e atual que, desde a abolição inconclusa, relegou a população negra às margens e, dentro dela, as mulheres negras a posições ainda mais precarizadas.

As Barreiras Invisíveis (Mas Profundamente Sentidas)

Além das barreiras estruturais óbvias (como acesso desigual à educação de qualidade, redes de contato limitadas, discriminação explícita em processos seletivos), existem desafios mais sutis, mas igualmente desgastantes:

1. Microagressões Raciais de Gênero

Comentários e atitudes que, de forma velada, desvalorizam e estereotipam. Ser rotulada como "raivosa" ou "agressiva" ao expressar uma opinião firme; ter sua competência questionada ou sua aparência constantemente escrutinada; ser confundida com a copeira ou a faxineira, independentemente do cargo.

2. Silenciamento e Invisibilidade

O medo de falar e ser mal interpretada ou punida leva muitas mulheres negras a se calarem, optando pela invisibilidade para sobreviver no ambiente corporativo. Isso, ironicamente, dificulta ainda mais a ascensão, pois a falta de posicionamento pode ser vista como falta de potencial de liderança.

3. Fadiga de Batalha Racial

O constante estado de alerta e o esforço mental e emocional para navegar ambientes majoritariamente brancos, decidir se confronta ou ignora o racismo/sexismo cotidiano, e provar sua competência repetidamente, gera um esgotamento profundo (Cirincione-Ulezi, 2020). Essa energia gasta na "batalha" é energia que deixa de ser investida no desenvolvimento profissional e no bem-estar pessoal. Cuidar dessa fadiga é essencial.

4. Solidão e Falta de Referências

A dificuldade em encontrar outras mulheres negras em posições semelhantes ou superiores, e a falta de acesso a mentorias genuínas que compreendam suas vivências, aumenta a sensação de isolamento e a dificuldade em vislumbrar caminhos de progressão.

Como uma Orientação de Carreira Antirracista e Emancipatória Pode Fazer a Diferença?

Diante desse cenário, uma orientação profissional que apenas foca em "habilidades", "currículo" ou "autoconfiança" de forma isolada é insuficiente e pode até ser revitimizadora. Minha prática se baseia em princípios diferentes, alinhados a uma perspectiva crítica e feminista antirracista:

  • Reconhecimento Estrutural: Parto do princípio de que os desafios enfrentados não são falhas individuais, mas reflexos de um sistema opressor. Validar a sua experiência de racismo e sexismo é o primeiro passo. "O pessoal é político", como nos ensina o feminismo. Suas dificuldades não são apenas suas, elas estão conectadas a um contexto social maior.
  • Foco na Interseccionalidade: Compreendo que sua experiência como mulher negra é única. Não generalizo a partir de vivências de mulheres brancas ou homens negros. Suas dores, potências e estratégias são específicas.
  • "Descolonizar" a Prática: Questiono modelos de carreira eurocêntricos e meritocráticos que não se aplicam à realidade da maioria das brasileiras, especialmente as negras. Busco referências e estratégias que façam sentido para sua história e seu contexto, honrando suas forças e sua ancestralidade.
  • Desenvolvimento de Estratégias de Enfrentamento (Incluindo a Fadiga de Batalha Racial): Trabalho não apenas as barreiras internas (como a autoconfiança abalada pelas microagressões), mas principalmente o desenvolvimento de ferramentas para navegar e confrontar as barreiras externas. Isso inclui identificar aliados, construir redes de apoio (aquilombamento), saber quando e como se posicionar (ou não) de forma estratégica, e priorizar o autocuidado e estratégias específicas para lidar com a fadiga de batalha racial.
  • Empoderamento e Agência: O objetivo não é apenas "se adaptar" a um sistema injusto, mas encontrar caminhos para construir uma carreira com significado, dignidade e que, na medida do possível, contribua para transformar esses espaços. Você é a especialista em sua própria vida, e meu papel é ser uma parceira nesse processo, oferecendo escuta qualificada, conhecimento técnico e um olhar crítico e acolhedor.
  • Vínculo Terapêutico Consciente: Como psicóloga e orientadora profissional preta, estou ciente das dinâmicas de poder e me comprometo a construir uma relação horizontal e de confiança, utilizando nossa identidade compartilhada como potência no processo, sempre respeitando sua singularidade.

Faço um Convite à Ação (e ao Acolhimento)

Se você é uma mulher negra buscando orientação para sua carreira, saiba que seus desafios são reais e legítimos. Você não precisa carregar esse peso sozinha, nem se encaixar em modelos que não te representam.

Buscar um processo de orientação de carreira com uma profissional que compreenda a profundidade do impacto do racismo e do sexismo na sua trajetória pode ser um passo poderoso para resgatar sua potência, planejar seus próximos passos com mais clareza e encontrar estratégias para construir um futuro profissional mais justo e realizador para você.

Ainda, se você ainda não está no momento de planejar a sua carreira, mas sente o peso da fadiga de batalha racial e quer vivenciar um espaço seguro de acolhimento, validação e desenvolvimento de estratégias de autocuidado e enfrentamento, vamos conversar? Cuidar do seu bem-estar é fundamental para qualquer projeto de vida e carreira.


Referências

Foto de Natalia Ferreira dos Santos

Sobre Natalia Ferreira dos Santos

Psicóloga Clínica (CRP 12/19892) e Orientadora de Carreira, graduada pela UFSC, com formação em Terapia Relacional Sistêmica. Comprometida com uma prática inclusiva e antirracista.

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